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Fim da letra cursiva?
Fim da letra cursiva?

Especialistas falam sobre o assunto

 

O ensino da letra cursiva (de mão) na alfabetização das crianças é considerado por alguns especialistas como ineficaz e segregador e, por outros, como um bom meio de fomentar o desenvolvimento intelectual de meninos e meninas.

A educadora Maria Helena de Moura Neves, professora de pós-graduação em letras da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende o ensino da letra cursiva.

"Quando você se põe a escrever, você não se põe a escrever pensando nas letras, você se põe a escrever pensando no sentido que você vai dar. Seus elementos são símbolos, são signos, são coisas mais compactas, com valor em si, e não, fragmentos de sinais", afirmou.

Segundo ela, a criança deveria ser apresentada à letra cursiva, independentemente de usá-la ou não após o domínio dessa modalidade de escrita.  "Não digo que as pessoas não possam escrever à mão com letra de forma, ou digitar, mas não pode ser subtraído dela a oportunidade de ser apresentada a esse tipo de escrita", disse.

A professora cita o avanço tecnológico como um fator de desenvolvimento, mas faz ressalvas. "A formação não pode ser bitolada pelo que está na moda, pelo que a gente acha que é eficiente".

Maria Helena disse acreditar que a letra cursiva não deverá desaparecer tão cedo no país. "Nós temos um país grande, com núcleos completamente diferentes. Alguns mal dispõem de um lápis e um papel", afirma. 

Segregação

Já para Francisca Paulo Toledo Monteiro, que trabalha com alfabetização e letramento na Divisão de Educação Infantil e Complementar da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo, o ensino da letra cursiva no país teve, por muito tempo, papel de segregação em alguns casos.

"Escrever em letra cursiva exclui milhões de pessoas. A letra cursiva, hoje em dia, é uma falácia. Isso não é mais uma obrigatoriedade, pelo menos para uma educação inclusiva. O importante da escrita é que ela tenha sentido e faça a comunicação, ou seja, eu não posso inventar uma palavra ou colocá-la fora de ordem. Mas, se vou escrever com letra cursiva ou de bastão, não tem problema nenhum", teorizou.

A educadora diz que a escola excluía crianças com síndrome de Down, paralisia cerebral ou problemas motores, que não conseguiam escrever com letra cursiva.

"O cenário que nós tínhamos era, muitas vezes, o de encaminhar a criança para treinar caligrafia e, em muitos casos, a criança era inteligentíssima, mas se perdia na escola, era retida nos estudos porque não conseguia fazer uma letra legível".

A especialista ainda questionou se, de fato, a criança que domina a letra cursiva tem consciência do que escreveu. "Nós temos algumas crianças que copiam textos com a letra maravilhosa, mas não leem. A teoria que, para estar alfabetizado, tinha grafar com letra cursiva, foi por terra", afirmou.

Questionada sobre a versão de que a letra cursiva ajuda na cognição, a professora discordou. "Os japoneses não escrevem em letra cursiva e, nem por isso, deixaram de desenvolver a cognição. Existem muitas maneiras de desenvolver a cognição. Articular o pensamento com a palavra e com a ação e com o sentimento", declarou.

'A letra cursiva está fadada a acabar'

A professora Maria Margareth de Castro Pinto Osório, que hoje ocupa o cargo de vice-diretora na Escola Estadual Celmar Botelho Duarte, em Belo Horizonte, disse acreditar no desaparecimento da letra cursiva. A educadora lecionou em sala de aula por 24 anos na rede pública e disse estar prestes a se aposentar.

"No meu entender, a letra cursiva está fadada a acabar, porque as pessoas só estão querendo teclar e, ao teclar, deixam de escrever. Hoje não se escreve mais, abrevia-se', avaliou.

Ela disse achar importante o ensino da letra cursiva para que a criança desenvolva o gosto pela escrita e pela leitura. "Antigamente, a criança escrevia e tinha noção do que estava escrevendo. Uma redação tinha princípio, meio e fim. Hoje não tem mais isso. Escreve-se muito pouco. Acho que precisa juntar o novo com o antigo".

A dirigente confessou que, quando vê um aluno com a letra ilegível, tira dinheiro do bolso para comprar um caderno de caligrafia. "Eu compro e passo exercícios para ele. Mesmo não sendo professora deles, dou o caderno e depois corrijo no fim de semana", confidenciou.

 

De: UOL - por Rayder Bragon - 17/03/2015.